Nunca passa de moda a questão do aborto. Isso é mais que certo.
Todavia, a questão, que supra citei, merece uma atenção específica. Refiro-me ao aspecto civil do problema.
Aos que possuirem um código civil, pedia a gentileza de abrirem na I Parte, artº66. referente à personalidade jurídica. Devo confessar e referir que, aos críticos da redacção do dito disposto, é uma escrita que me agrada pela sua taxatividade e certeza. Fora o aspecto pessoal, e centrando-me no que quero transmitir, eis o seguinte: imagine-se que Almedina, grávida, molestada por Branco vê o filho, Clementino, sofrer danos irreversíveis, quando nasce. Pode Almedina reagir pelo filho, ou seja, pode pedir uma indemnização pelos danos causados?
Admita-se que pode. Será, talvez, a solução mais adequada. Parta-se do princípio que o artº66 é um condição suspensiva, que vai fazer retroagir os efeitos do dano, pelo que será possível haver indemnização. Consideramos, claro está, que foi violado o bem integridade física.
O que proponho, agora, é outro exercício.
Imagine-se que, Almedina, atacada por Branco, perde o filho, Clementino.
Quid Juris?Se seguirmos a via alfacinha, tomamos como certo o seguinte: é violado o bem vida, obviamente, o bem central. Daqui, pode Almedina pedir indemnização por Clementino, visto este não ter capacidade jurídica, ao abrigo do artº123, todavia, não se verificando a condição,entendendo-se, porém, que a condição resolve, ainda assim.. Feito isto, e ganhando, Almedina recebe, por via sucessória, o dinheiro da indemnização.
Serei apenas eu a ver, nisto, um escândalo???
O que é que custa a uma mulher enriquecer via abortos provocados?
Veja-se tão e somente isto (título exemplificativo): Ancara, certa mulher, engravida de Bento. Recorre a um médico, especialista em abortos, pratica o acto, finge ter sido agredida por Bento, acusando-o de ter tirado a vida ao feto. Ora, recorrendo à interpretação que se usou, do artº 66, ou seja,extender o dito de tal forma a que o nascituro tenha Direito à vida, direito imanente, não relacionado com personalidade jurídica, mas não tenha obrigações, esquemas como estes podem acontecer. Isto originará um paradoxo: a vida, valor que se quis tanto defender, acaba manchada, como elemento ganha-pão de um qualquer vigarista.
Bento teria de pagar uma indemnização que seria de Ancara, por via sucessória. Ora, um ser que ainda não sabe sequer o que é um testamento já seria motivo para desencadear um negócio
mortis causa.Um ser que não sabe escrever (nem teve oportunidade de aprender) já tem testamento.