Wednesday, September 21, 2005

"Ulisses"

O mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo -
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.

Este, que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou.

Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade,
E a fecundá-la decorre.
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre.

Fernando Pessoa in Mensagem
Foi a melhor maneira de começar a transmitir aquilo que pretendo.
Aqui há dias, como faço, numa rotina infernal, encaminhava-me para a faculdade, pela fresca manhã de um dia de Setembro.
O meio, por mim escolhido, para o meu objectivo atingir é o comboio, ao qual se segue o metro. Still, é no comboio, numa das raras vezes em que levanto a cabeça e sinto nos olhos o sol, reparo na leitura atenta, e generalizada, que os tripulantes daquele "veículo" fazem de uma especial página do Destak, jornal gratuito, distribuido á entrada para a viagem. Tratava-se de uma entrevista com Ricardo Pereira, conhecido actor, que recentemente conheceu um alargamento da sua fama, devido a uma participação numa novela brasileira, emitida em Portugal.
Há um clima fantástico, parecia que as caras pálidas daqueles trabalhadores tinham ganho vida, e seus olhos brilhavam e bebiam todas as letras daquele entrevista. Parecia que a estudavam.
Nunca, pelo menos por mim, visto, a uma hora daquelas.
Havia alegria, havia identificação. Era o idolo que ali estava.
O público Português, familiarizado que está com as produções além-mar, revia o seu heroi, tinha-o "nas mãos".
O Poema com que abro este post surgiu, imediatamente, na minha mente.
O galã, o sedutor, o famoso, até, se quiseremos, o poderoso mito. Um verdadeiro Ulisses, destas terras Lusas. Viajante, bem sucedido, forte e renascido.
Desta margem, deixava a sua penélope, o inteiro povo português. O tear era substituido pela audiencia diária que a novela tinha.
Porém, no poema que vos deixo, algo muda. Ricardo está vivo. E bem vivo. Fora isso, falar em lenda é garantido.
Mas tomar consciência deste fenómeno e deste comportamento é muito mais que perceber que as pessoas gostam dos idolos. É muito mais.
É saber que Portugal ainda produz, e produz bem. É saber que o povo não esquece os seus.
Mas é sobretudo outra coisa.
A fé que depositamos no que é nosso, ao contrário do que se tem reiterado, é enrome, colossal, mesmo. A crença que tornaremos na nossa máxima força estava naquele comboio, naqueles minutos em que se bebiam letras e se regalavam olhos.

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